Igualdade tributária e regulatória entre hotelaria tradicional e plataformas de locação. Este foi o consenso no simpósio “O Futuro da Hospedagem”, realizado no dia 27 de junho, durante a ExpoRio Turismo.
Organizado por ABIH-RJ e HotéisRIO, em parceria com Secretaria de Estado de Turismo do Rio de Janeiro e Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro, o debate contou com a participação de porta-vozes do turismo nos setores público e privado, além de especialistas em direito tributário e civil, para discutir como a ascensão de novas formas de hospedagem impactam a hotelaria convencional.
Aspectos tributários, civis e segurança de dados foram abordados, incluindo a legislação vigente e direitos e deveres de hotéis e hóspedes.
“A situação das plataformas precisa ser regulamentada e não devemos temer o debate, até porque é uma forma de melhorar e contribuir para o crescimento de nosso estado”, destacou o secretário de Estado de Turismo do Rio de Janeiro, Gustavo Tutuca, em sua fala de abertura.
A apresentação do primeiro case foi focada nos aspectos tributários e contou com a mediação do diretor comercial do Fairmont Copacabana Hotel, Michael Nagy, que apresentou números do Airbnb. A plataforma de locação conta com 36 mil endereços registrados no Rio de Janeiro, a maior parte em áreas turísticas.
“São 147 mil leitos, com diária média de R$ 1.152 por estadia. Isso resulta em uma receita bruta de resultando num faturamento anual de R$ 1.866.395.520,00 por ano, o que representaria R$ 93.319.776,00 de receita adicional para o estado, somente em tributos. Temos que evitar chegar ao caso de Nova Iorque que, há 15 anos, registrou a completa suspensão da construção de novos hotéis. Após a implementação de regras e de multas, 42 mil novos quartos de hotéis foram lançados e mais de 100 mil novos postos de trabalho gerados”.
Ricardo Almeida, advogado tributarista, afirmou que é preciso debater a regulamentação das plataformas. “Esta semana, Barcelona resolveu restringir esse tipo de locação porque os aluguéis subiram muito. Na Europa, o proprietário é obrigado a declarar quanto ele recebe de diárias nas plataformas e pagar imposto sobre a renda, IVA e taxas locais. Aqui a discussão chegou aos tribunais por conta dos condomínios e o STJ (Superior Tribunal de Justiça) definiu a natureza desse tipo de operação, ou seja, que é um contrato atípico de hospedagem. Falta estabelecer as regras”.
Para o presidente da Comissão Especial de Hotelaria e outros Meios de Hospedagem da OAB, Daniel Veja, não restam dúvidas de que as plataformas exercem a atividade de hospedagem e que, consequentemente, precisam ter não somente alvará, como seguir uma série de regras.
“Devem se submeter aos regulamentos do Corpo de Bombeiros, da medicina do trabalho, sofrer fiscalizações do Procon e do ECAD. O consenso é que o direito regulatório tem que entrar em campo. As plataformas estão em uma zona cinzenta e se escondem atrás da ideia de que representam a nova economia. São bem-vindas, mas devem integrar o sistema de forma isonômica”.
O auditor chefe da Receita Rio, Ricardo Martins, afirmou que o município do Rio tem interesse na tributação, mas sempre defendemos a segurança jurídica acima de tudo. “Uma das coisas que vamos ter com a reforma tributária são anos de pacificação, pois ela vai trazer novamente discussões que haviam se encerrado com o passar dos anos. Toda vez que é criada uma situação nova, que gera desconforto, o contribuinte tende a suspender os pagamentos de impostos. Ou seja, mesmo que a regra estabeleça que os proprietários desses imóveis nas plataformas precisam pagar, não necessariamente isso vai se traduzir em mais arrecadação, até porque o fato de as plataformas não terem sede no Rio dificulta a cobrança”.
De acordo com Thales Vinícius Santigo Bezerra, auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil, a situação das plataformas é um desafio que o mundo ainda está aprendendo a lidar. “A OCDE criou uma norma, em 2020, e só no ano seguinte é que realmente se começou a debater a situação. Do ponto de vista da Receita Federal temos consciência da nossa importância na justiça fiscal. Posso dizer que estamos estudando formas de ajuste. E, certamente, vamos chegar a esses contribuintes que auferem renda por meio desse tipo de locação”.
Sandro Serpa, secretário-executivo adjunto do Ministério do Turismo, acrescentou que o Governo Federal está atento à discussão, mas que precisa entender o interesse de todos os lados envolvidos. “Nossa função consiste em promover o turismo. O ambiente ainda não está muito claro para podermos atuar na fiscalização. As plataformas têm se mostrado solícitas e, apesar da questão jurídica ainda não estar equacionada, temos tido reuniões com eles para avançar na regulamentação”.
Para o vice-presidente do HotéisRIO, Ronnie Arosa, as plataformas trabalham de forma desigual. “Buscamos igualdade, equivalência de direitos e deveres. As plataformas podem vir, mas nas mesmas condições que nós”.
Voltado para área civil e de segurança, o segundo case também foi mediado por Michael Nagy e começou com a apresentação do presidente da ABADI, Rafael Thomé, que revelou que os condomínios são diretamente impactados pelas plataformas de locação, que criam concorrência até mesmo para a locação tradicional, pois muitos imóveis são comprados para o aluguel de curtíssimo prazo, reduzindo a demanda e aumentando preços. “A grande questão é definir se é cessão de posse ou aluguel comercial. O judiciário entende de forma majoritária que se o condomínio é residencial e teria que mudar a convenção para permitir a locação. Os síndicos não podem proibir a entrada, mas têm condições de criar regras que aumentem a segurança dos condomínios”.
O advogado civil Fernando Freeland disse que a discussão subiu para o STJ. Desde então, tem se consolidado o entendimento de que as plataformas oferecem um serviço de hospedagem, ainda que atípico. “Hoje há um entendimento de que é sim um serviço de hospedagem, que está sujeito a tributação e licenciamento, ou seja, um alvará”.
De acordo com a delegada titular da DEAT (Delegacia Especial de Apoio ao Turismo), Patricia Alemany, os turistas estrangeiros que optam pelas plataformas de locação não o fazem somente pelo preço mais em conta. Eles buscam, diz ela, liberdade, já que não há a exigência de ficha cadastral.
“Somos um turismo de entretenimento e os encontros por aplicativos são muito facilitados nos apartamentos alugados por meio das plataformas. O problema é que isso também facilita roubos e até crimes mais sérios, o que tem baixa probabilidade de acontecer em hotéis tradicionais, que oferecem muito mais segurança e com quem temos interação mais fácil”.
O subsecretário de Desenvolvimento Econômico e Inovação da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico (SMDUE), Marcel Grillo Balassiano, afirmou que a Prefeitura do Rio tem pleno conhecimento da importância do turismo, não somente em termo de arrecadação, mas de geração de postos de trabalho e dinamização da economia. “O Réveillon movimenta R$ 3 bilhões. E, o Carnaval, R$ 5 bilhões. Precisamos regulamentar essa questão e estamos estudando o caso de outras cidades globais, como Nova Iorque e Paris”.
Para Ronnie Arosa, vice-presidente do HotéisRIO, em um ambiente de negócios com condições igualitárias, a hotelaria não tem motivos para temer a concorrência das plataformas.
“As necessidades dos hóspedes são bastante variadas – há quem queira ficar em quartos compartilhados, outros fazem questão de um bom café da manhã e outros se sentem mais seguros quando a recepcionista fala o seu idioma. A diversidade de opções de hospedagens até atrai mais turistas e há espaço para todos, desde que tenhamos igualdade de condições. Não são apenas os impostos, há todo um controle de segurança, fichas de hóspedes e regras sanitárias, entre outros aspectos”, disse.
Michael Nagy encerrou o evento concluindo que a solução para um crescimento sustentável do turismo depende de um encadeamento de ações. “Segurança jurídica e segurança pública são os alicerces, mas é preciso mais. Precisamos de regras claras, que se apliquem a todos. Em um país democrático como o nosso, a concorrência tem que ser igualitária. Convido todos os presentes a se unirem a nós para que, juntos, encontremos soluções plausíveis”.